sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Os pequenos que moram em nós


Ser criança é um estado de graça, condição que passa tão rápido quanto um estalar de dedos.
Ao contrário do que muitos pensam, criança não cresce com o tempo, ela simplesmente encolhe, vai saindo o adulto que temos e internalizamos a criança que há em nós.

Tem gente que encolhe e desaparece, ao invés de ser criança no corpo de adulto, torna-se idoso no corpo de um velho, fica amargo, resmungão e a medida que a idade chega, a infância gradativamente se esvai.

Alguns encolhem propositalmente para que caibam no coração, já outros tornam-se compactos, para se encaixarem direitinho na memória e vez ou outra recordarem o quanto ser criança é bom.

Infância sempre traz coisa boa, traz gosto de manga de vez com sal, traz jabuticabeira do vizinho, aquela que enchia nossos olhos de jabuticaba, literalmente, com um brilho incomum.

Infância traz banho na chuva correndo descalço pela enxurrada, traz bicho de pé com coceirinha boa, dente mole com medo de arrancar, traz piolho, catapora, picada de muriçoca, traz aposta pra ver quem chega primeiro.

Amarelinha no pátio da escola, pipa nas férias de verão, traz medo do escuro do lado de fora, mas aí quando crescemos descobrimos que não há escuro pior, do que aquele que possa existir dentro de nós.

Infância traz medo do boneco Chuck, do abominável homem das neves, do bicho papão, traz bola de gude em sol escaldante, esperança de presente no Natal (contanto que sejamos bons meninos). Traz vaca amarela que pulou a janela, a mesma que teve o vidro quebrado por um pestinha da esquina.
Traz apelido que pega, aquele que carregaremos pelo resto da vida, assim como aquela cicatriz no joelho da primeira queda de bicicleta ou da pereba de vacina no braço, marquinha essa que dói pra chuchu, falando nisso, infância traz Brócolis e Jiló no almoço, com todas as caras feias que fazíamos para comer.

Da infância carregamos traços fortes que marcam nossa personalidade, marcam o início da nossa existência, fase da qual contaremos as melhores histórias.

Meninice é lugar onde tudo é muito intenso, desde a espera por um brinquedo prometido (jamais prometa algo a uma criança que não possa cumprir, ela não desistirá de você) até a chegada de um novo irmãozinho, a descoberta de um novo vizinho, o primeiro dia de aula.

Para criança não existe “o dia”, existe o instante, o minuto, a eternidade, quando somos pequeninos, não calculamos a velocidade do tempo que nos encolhe e muitas vezes nos separa de nós, não imaginamos que uma das melhores fases da vida passe assim num piscar de olhos, que de repente os sapatos de nº 26 já não nos servem mais, que as roupas encurtaram e foram encolhendo assim como nossa inocência.
 
Talvez por essa ânsia de viver, desejamos crescer tão depressa, e isto está inconscientemente externado nas brincadeiras de casinha, de papai mamãe e filhinho, queremos ser gente grande, maiores do que já somos, desejamos descobrir o que está encoberto, a curiosidade grita, a fita métrica não nos poupa dos anos que passam rapidamente, crescemos, é então que ao invés de sermos crianças, estamos crianças, passamos crianças, como quem passa um dia no parque de diversões e a infância que deveria ser o mais aproveitado dos estágios, torna-se um ciclo breve, quase que comum, seguindo vida a fora, encolhida e secreta, mas sem jamais sair por completo de dentro de nós.

Carine Morais

2 comentários:

  1. Carine, que lindo teu texto. Escreves muito bem. Parabéns. Gostei demais da definição de que encolhemos nossa condição de criança em nós ao crescermos. Perfeito. As lembranças da infância me remeteram a uma verdadeira viagem durante a leitura e as imagens, lindas. A imagem do menino pendurado no varal e a outra do menininho imitando os gestos dos adultos traduzem bem a imaginação que só a criança tem. Não deveríamos jamais perder essa ingenuidade, essa simplicidade de ver a vida, essa alegria de viver. Bom fim de semana. Um grande abraço

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  2. Obrigada Paulo!
    Infância é um pedaço delicioso da nossa história e escrever sobre o assunto me traz muita ternura. Também concordo que não deveríamos perder esse lado bom da vida e acredito que é possível vez ou outra voltar a ser criança, basta acreditarmos que ela ainda vive em nós.

    Forte abraço!

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