sexta-feira, 15 de julho de 2011

Quem você é?

Já não é novidade que sou apaixonada por tudo o que Martha Medeiros escreve, acho genial a forma como nos conduz a ler suas práticas conclusões, hoje me deparei com um de seus textos cujo título é: “Você é”. Existe perguntinha mais difícil de responder do que aquela em que precisamos dizer quem somos? Podem nos dar no cronômetro o tempo que for, falar sobre quem a gente é nunca foi tarefa fácil, a verdade é que dizer quem somos pode soar falsa modéstia, onde exageramos em elogios e "rasgação" de seda, então para evitar o “eu me acho” podemos nos diminuir na tentativa de transparecer a humildade em forma de gente, a questão é: descrever-se na primeira pessoa traz certo desconforto pelo fato de sabermos que alguém nos observa e pode desconfiar da veracidade de nossas palavras, afinal, será que podemos afirmar com tamanha certeza quem de verdade somos? Costumo brincar e dizer que se quer saber quem sou pergunte a minha adorável mãezinha, só ela sabe das minhas manias mais estranhas, medos e controvérsias, sabe se me mexo demais quando durmo e se ronco quando atinjo o terceiro sono (peraí gente, não ronco), para variar só ela sabe quando estou mentindo e com precisão maior que a da máquina da verdade. Voltando ao ponto inicial, descobri que somos aquilo que vivemos, somos cada lembrança registrada em nossa caixinha da memória, sim, você é aquela queda de bicicleta quando decidiu andar pela primeira vez, é aquele dente de leite que arrancou sozinho e com toda coragem do mundo, é aquele choque na tomada quando  desobedeceu seus pais e decidiu colocar o dedo, enfim... Se pararmos pra pensar, dizer quem somos se torna tarefa difícil quando desapercebidos só pensamos em quem nos tornamos hoje, ignorando subitamente aquilo que um dia fomos e que ainda diz muito sobre nós.

VOCÊ É... Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima. Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê. (Martha Medeiros)