segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Heloísa

A manhã era fria, com o sol tentando sair lá fora, mas a grande neblina não o deixava. Heloísa havia acordado bem cedo, colocou-se de pé em frente a penteadeira envernizada e já não era mais uma menina com sete anos de idade, ao menos essa não era a sua visão, desejava ser adulta, tão bonita e enfeitada quanto sua mãe, um exemplo de vaidade; apesar da coerência do tempo, aquela manhã havia passado depressa, com a velocidade de onze anos mais tarde, um pulinho rápido, no futuro que a esperava. 
De volta para o presente, um grito na porta do quarto:
- Hô mãe, a Heloísa tá destruindo sua maquiagem! Gritava Marina, a irmã caçula um tanto quanto mimada.
- É mentira dela mãe, não tô fazendo nada. Rebatia Heloísa, enquanto limpava a maquiagem nas mangas do pijama. A mãe irritada com a briga das meninas, saiu da cozinha em direção ao quarto quando se deparou com a seguinte cena: Maquiagens espalhadas pelo chão, batom amassado no vidro do espelho, sombras cintelescas quebradas ao meio e o rosto de Heloísa completamente pintado. O resultado já era de se esperar, muitas broncas e o castigo de ficar o dia inteiro sem sair do quarto. No sofá da sala Marina contia o sorriso maldoso do infortúnio da irmã mais velha, enquanto a menina inconformada, maquinava uma forma de escapar dali.
O plano era bem simples, reunir o maior número de roupas possíveis para tentar fugir, e assim ela o fez: numa trouxinha velha reuniu peça por peça de seus pertences mais valiosos: uma calcinha de babado, um shortinho para o calor, uma camisetinha sem mangas e a Barbie sereia que ganhou de Natal. Após uma conferência rápida do que necessitava, deu um nó ligeiro, fez um laço de qualquer jeito, tudo muito bem pensado, em poucos minutos seu plano de fulga estaria consumado.
Marina era astuta, assistia aos seus desenhos favoritos imaginando que sua irmã jamais aceitaria o castigo que recebera, tranquilamente foi até o quarto e descobriu que ela estava de caso pensado, confirmou suas suspeitas quando a própria Heloísa afirmou que nunca mais voltaria ali.
Correu depressa até o quintal onde sua mãe regava plantas de todos os tipos, disse afobada:
- Mãe, a Heloísa falou que vai fugir!
A mãe não deu muita importância, continou a regar. Encafifada, minutos depois, Marina retornou ao jardim.
- Manhêe, a Heloisa tá fugindo, ela tá indo embora.
De nada adiantou. Virou-se de costas recolhendo adubo para as rosas.
Impulsivamente, Marina puxou a saia da mãe, afim de chamar sua atenção e falou insistente:
Hô mãe, a senhora não me escutou não?! A Heloísa tá fugindo de casa!
Virou-se institivamente. 
- Que conversa é essa Marina? Eu a deixei de castigo.
- É. Só que ela não quer mais morar com a gente. 
A mãe correu até o quarto, chamou Heloísa duas vezes, ela não respondeu. Abriu a porta com cuidado e deparou-se com a fuga de sua pequena.
Heloísa estava deitada na cama, agarrada a trouxinha de roupas, dormindo em sono profundo com sua boneca debaixo do braço, o plano não havia dado certo, a mãe abriu a trouxa que ela pretendia carregar, sorriu ao perceber como era doce a ingenuidade de criança,  aproximou-se da menina deu-lhe um beijinho no rosto e aliviou-se com a sorte de a te-la ali tão perto.

- Carine Morais

7 comentários:

  1. O mundo infantil é mesmo encantador. Acho que o plano dela não falhou, de certa forma ela fugiu da situação embarcando em outro sonho. Um belo texto e um final surpreendente mas perfeito para o universo da menina. Abraços

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    1. Gosto do seu ponto de vista, do embarque para um sonho de criança. Da infância muitas são as lições a serem aprendidas. como bons adultos que somos devemos evitar a necessidade de escapar das circunstâncias, ao invés disso, podemos sonhar e acreditar em nossas projeções.

      Obrigada por sua visita!
      Abraços

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  2. Oi, Carine, boa tarde!!
    Deixo bem claro nesse comentário que sei exatamente onde encontrar histórias fantásticas que investigam o coração das pessoas, especialmente o infantil, estabelecendo perfis psicológicos com um talento monumental. É aqui! No seu maravilhoso blog.
    Fiquei encantado com os perfis de Heloísa e Marina, tão autênticos! Ri muito, botei a mão no queixo e o cotovelo na mesa para me acomodar melhor e ver suas traquinagens... Tive medo de que a janela fosse alta e Helô despencasse. Quis dar uns beliscões em Marina. Lamentei a mãe estar tão ocupada e não ter podido sentar com a filha para lhe mostrar o que tanto a instigou... Enfim, um momento delicioso. Outro, aliás, porque a história anterior e esta estariam em qualquer antologia de contos ligeiros desse país. Você domina essa arte, encanta e se torna uma referência. Por isso eu sempre volto!
    Um beijo carinhoso
    Doces sonhos
    Lello

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    1. Obrigada Lello!
      Me sinto lisonjeada com seu comentário, e eu que falo tanto quando escrevo, de repente me vi sem saber o que dizer rs. É uma honra receber suas palavras e te-las escritas aqui, assim poderei ler tantas outras vezes e me alimentar de todos os incentivos possíveis.
      A infância é mesmo encantadora, uma doçura que nos prende e até mesmo com as implicâncias da Marina não deixo de ser fascinada.rs
      Sinta-se a vontade para voltar sempre que desejar, sua visita é muito bem vinda!

      Beijos meus ;*

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  3. Sabe o que deixa um conto precioso, único? Os detalhes preciosos, tipo essa Barbie sereia aí. É tão fácil se perder nos detalhes bobos... mas tu é craque no detalhe preciso, o que texturiza a história.
    Manda ver, guria!

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    1. Obrigada Tatiana, fico muito feliz!
      Sou apaixonada por detalhes, eles fazem a gente se sentir mais a vontade, e como você bem destacou nos perdemos facilmente entre eles.
      Sinta-se em casa, para se perder, se encontrar ou viajar por aqui.

      Beijos meus :*

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  4. Muito bom. Filhos do meio as vezes tem vontade de fugir de casa, rs. Ri muito com a cena dela toda borrada após a bagunça que fez na maquiagem da mãe. É possível que Heloísa quisesse chamar a atenção de sua mamãe, ou se sentir mai próxima dela, mas ela entendeu tudo errado e a colocou de castigo. Parabéns de novo.

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