sexta-feira, 25 de março de 2011

Tire-o da cabeça!

14 de setembro de 1998 


Você estava apaixonado por alguém e levou um fora. 
Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e incêndio na floresta. 
Corações partidos é o grande drama nacional. O que fazer? 
Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar nossa fossa, 
e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à exaustão: tire esse cara da cabeça. 
Parece fácil. Mas alguém aí me diga: como é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios? 


Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. 
É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro 
que age por conta própria, sem dar satisfação. 
Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto: não gosto mais dele, 
não quero mais saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já! 


Parece que funcionou. Você sai na rua para testar. 
Sim, você conseguiu: olhou vitrines, comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar 
uma única lágrima. 
Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a maionese. 
Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá, cantando baixinho pra você. 


Táticas. Não ficar em casa relendo cartas e revendo fotos. 
Descole uma festa e produza-se para matar. Você bem que tenta, 
mas nada sai como o planejado. 
Os casais que se beijam ao seu lado são como socos no estômago. 
Você se sente uma retardada na pista de dança. 
Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é comparado com o que o seu ex diria, 
com o que o seu ex faria. Chamem o EccoSalva. 


Livros. Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, 
você acha que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, 
tudo tem semelhança com o que você está vivendo, 
mesmo que você esteja lendo sobre a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia. 


Viajar. Quem vai na bagagem? 
Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e só no que pensa é onde ele estará agora,
sem notar que ele está ali mesmo, preso na sua mente. 


Livrar-se de uma lembrança é um processo lento, 
impossível de programar. 
Ninguém consegue tirar alguém da cabeça na hora que quer, 
e às vezes a única solução é inverter o jogo: em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. 
Permitir-se recordar, chorar, ter saudade. 
Um dia a ferida cicatriza e você, de tão acostumada com ela, acaba por esquecê-la. 
Com fórceps é que a criatura não sai.




Martha Medeiros

Um comentário: