sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Parar por alguns instantes e admirar aquilo que nos toca pode ser muito prazeroso

Todos os dias faço o mesmo trajeto, as mesmas ruas, o mesmo carro, o mesmo caminho, o mesmo estacionamento, o mesmo flanelinha nos dizendo onde devemos parar. Então sigo em direção a um pequeno quiosque de cafés e pães de queijo, faço o pedido, me acomodo e espero os minutos passarem depressa. Ali sentada todos os dias, vejo as mesmas pessoas, os mesmo pedintes de poucas moedas para comprar um pão.
Vejo a Tv ligada no mesmo canal e toda manhã, antes mesmo de chegar à esquina encontro um senhorzinho amistoso me dizendo cheio de sorrisos um educado bom dia. Só que hoje não, hoje foi diferente, hoje não foi um dia semelhante ao de ontem e nem possivelmente parecido com o de amanhã, hoje aconteceu aquilo que só acontece quando estamos bem atentos ou totalmente desarmados para esperar. Não reagimos instantaneamente, porque a força do hábito não nos permite expressar, no entanto nos deslumbramos paralisados pela emoção.
Hoje, minhas lentes fotográficas, as do coração, fizeram um inesquecível disparo.
- Por gentileza, a senhora poderia me dar 80 centavos para eu completar meu lanche? Disse um rapaz morador de rua.
- Não tenho. Disse.
- É porque estou mesmo com fome, de verdade.
- Realmente não posso ajudá-lo. Disse com pesar.
- Entendo... Me desculpe pedir assim, estou sendo sincero, porque se eu mentir para você, e você me ver mentindo, vai se decepcionar com o que eu disse.
Nesse instante flash’s internos iluminaram seu rosto sem que percebesse, senti disparar em mim o sentimento único de comiseração, a clemência de quem estava por dizer a verdade, a compaixão por seu medo de desapontar enquanto eu o desapontava.
Ele não era o mesmo de todos os dias, nunca o tinha visto por ali, e nem escutado aquilo que me dizia. Era uma imagem refletida, mas não como a paisagem vista pela janela, trazia consigo a moldura de uma dura realidade.
Quando virou-se para ir embora, eu disse:
- Espere por favor!
- Não tenho moedas, mas posso passar seu lanche no cartão.
Ele voltou sorrindo, agradecido, esperançoso, faminto. Recebeu o lanche conforme seu pedido, um pão de queijo e um pingado. Agradeceu enquanto comia.
- Obrigado por acreditar em mim.
Para cada dia uma lição, uma vista bonita de algum lugar, um sorriso de uma criança, um pedido de perdão, uma palavra que fica. Para cada dia uma reserva de possibilidades, um fato, uma cena, uma música, o engarrafamento de carros que nos leva a pensar. Temos que estar atentos aos acontecimentos da vida, a tudo aquilo que é novo, que não costuma acontecer todos os dias.
As lentes dos nossos olhos estão o tempo todo captando uma nova imagem, mas só ficará registrada quando vista pelo coração.

- Carine Morais

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Atemporal

Zélia Duncan canta muito.
Rubem Alves é lindo.
Sinto saudade a todo instante...

Enquanto escuto Zélia... penso em você.
Leio Rubem, penso em você.
Enquanto decoro uma letra inconfundível e me delicio
Com uma poesia atemporal, penso em você.
E nesse misto de encantamentos, escrevo.
Há! mais que falta eu sinto!
Bem que Alves já dizia:
Deus existe para tranquilizar a saudade.” 

- Carine Morais

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

As rosas

Não sinto pouco quando sinto muito,
Não sei sentir sem sentido,
Ou o que dizer quando as pessoas choram.
Meu consolo é o abraço no canto do ombro, 
só que apertado,
É o deixar encostar o rosto,
E oferecer as mangas da camisa para enxugarem a dor.
Minha tristeza é sentida por dentro,
Não sei chorar bonito como fazem as atrizes de Tv,
Não sei sentir muito quando sinto pouco,
Não sei não saber o que se deve esperar,
Espero porque pressinto.
Me precipito no improviso de existir.
O desabrochar das rosas é sempre lindo,
Porque acontece sem se estar esperando.
Quando não houver nada mais nessa vida
a que eu possa esperar, sentir ou entender,
quero ser rosa.

- Carine Morais

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Namoro no portão

Taí uma coisa que já faz tempo, 
por um pouco não me lembro, 
Os anos se vão depressa, 
mas a memória se encarrega 
de guardar no coração. 
Tem coisa mais atrevida 
que namoro no portão?

Ela toda cheia de dengo 
passa os braços no pescoço do rapaz,
Já ele segura a pequena, 
laça as mãos pela cintura 
e é beijo que não acaba mais.

Fazem juras, fazem promessas, 
sussurro no ouvido do tipo revelação, 
Dá beijoca, faz fricote, 
e os vizinhos mexeriqueiros
olhando com reprovação. 

Ainda que a mãe não goste, 
ainda que o pai não queira, 
se tem uma fase boa na vida, 
essa é a fase namoradeira, 
do perigo que se corre, 
contando apenas com a sorte 
de ninguém aparecer.

Há! se o portão falasse, 
há! se ele dissesse, 
certamente nos diria 
das loucuras cometidas 
sob efeito da paixão, 
da espera com ansiedade, 
e das faíscas de saudade,
apaixonados, bobos, loucos
recostados no portão.

- Carine Morais
Imagem: Berco Udler

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Duo

Duas bocas, sete beijos
Fechemos os olhos: três desejos...
1- Que haja vida
2- Para que haja amor
3- Para que haja eternidade.
Eu, você, nossos corações
dividindo por dois
Essa saudade.


- Carine Morais




terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Nona

Deitou-se perto da porta recostando-se sobre as patas, o tédio tomava conta do recinto, já não havia água e pedaços de ossos suculentos para deter-se da fome e solidão, fazia calor e uma luz que iluminava as gotículas de suor em seu focinho, inesperados jatos de água invadiram-lhe a janela, molhando deliciosamente seu pelo, com o anuncio da chuva que viria, nem tudo estava perdido, chuviscava por entre telhas velhas e mal encaixadas, sinal este  de que seus donos voltariam, enquanto Nona havia sido esquecida pela décima vez.
Era uma tradição da família  ter cachorros e não nomeá-los assim como fazem a maioria dos lares, naquela casa numerava-se os bichos como casas decimais, a primeira cadelinha de origem inglesa a receber um nome incomum, chamava-se Quinta, pelo fato de vir ao mundo numa quinta-feira comum de uma semana sem muitos acontecimentos.
Era uma casa antiga, com paredes descascadas pelo tempo, telha colonial e janelas de madeira, em sua frente um pequeno terreiro com terra batida e nos fundos um canteiro bem cuidado de alfaces e cheiro verdes. O chefe da casa, homem rústico e de gestos grosseiros saía para pescar enquanto sua esposa visitava as irmãs mais velhas, não tinham filhos, nem muitos vizinhos, apenas Nona  uma cachorrinha mestiça que lhes supria a falta de crianças pela casa.
Em uma dessas andanças optaram por irem a pescaria juntos, a esposa muito desconfiada, não acreditava que o marido estava somente a pescar com os amigos, o rio onde costumava apurar grandes peixes, era atravessado por uma  simples canoa e levavam pouco mais de um dia para retornarem as margens. 
Havia três longos dias que o casal não retornava ao lar, enquanto Nona havia sido abastecida de alimentos por apenas algumas horas, apesar da liberdade de caminhar por entre os cômodos,  era prisioneira entre paredes vazias, na cozinha um rádio ligado para lhe fazer companhia, no canto do quarto de hóspedes, um velho cobertor de lã para que pudesse se deitar.
Andava em círculos,  dormia em boa parte do tempo, esticava em minutos de silêncios suas longuíssimas orelhas atentas, escutava passos, pressentia a volta, mas logo a noite chegava e Nona dormia.
Seus sentidos nunca a engavam e chover era um sinal de que voltariam, havia roupas no varal, precisavam distribuir pela casa baldes e bacias onde as goteiras caiam. A janela era alta, vãs foram as tentativas de fugir dali, arranhava as patas nas paredes e descia, escorregava mais uma vez, desistia, encarava a maçaneta e fechadura como se seus olhos pudesse abri-la ou como se a qualquer momento fossem gira-la pelo lado de fora.
A mesa de jantar poderia ser seu trampolim de saída, a mola propulsora no fundo do calabouço, no entanto outra tentativa mal sucedida, o radio fora arremessado ao chão, e nada mais se ouvia. 
Horas mais tarde, ruídos de lamas espatifadas e ronco de calhambeque misturavam-se ao barulho da chuva, Nona levantou-se instintivamente, latindo por sobrevivência, finalmente a porta se abriu, o cheiro do campo lhe entupiu as narinas, os olhos aflitos buscavam reconhecer rostos, trejeitos, grosserias e a inconfundível voz de sua dona... Esperava para jogar-se em disparada, balançava seu corpo frenético em sinal de felicidade, mas era apenas o vizinho do final da rua, senhor de botas e chapéu amaçados, viera salva-la, estava comovido pelo choro na fresta da porta, pelo fato de a tê-la encontrado ali tão sozinha, uma vida dentro do abandono, cujos moradores, não se sabia.

- Carine Morais


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Que pulsa

O amor que expus
Tua boca expulsa.
Entregue em pedaços
Euteamo ouvirei.
Guarda para ti meu coração,
Dele não se esqueça
Ainda que esmoreça
Presunçoso,
Em tuas mãos.

- Carine Morais

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Branquinha

Não guardava a lembrança do primeiro sorriso, mas talvez do primeiro puxão de cabelo, a primeira mordida, primeira cena explícita de ciúmes. Soube que naquela época, numa manhã de Natal, fora esquecida dentro do carro no dia em que a criaturinha branca de veias azuis chegou em casa: a irmã caçula, Branquinha do papai.
A diferença entre as duas era de apenas 1 ano e meio, grande mesmo era a diferença de fisionomias, no jeito de ser, aparência e comportamento: uma de pele claríssima com veias ressaltadas, a outra moreninha de cabelos rebelados. Uma tímida até o último fio de cabelo e a outra tagarela e despojada.
Até uma certo tempo da infância alcançaram o mesmo tamanho, gêmeas por dedução, provavelmente bivitelinas e as pessoas lhes perguntavam exatamente isso, ora! com toda razão do mundo, usavam roupas iguais, com cores diferentes, disputavam eternamente entre tapas e empurrões quem ficaria com a cor lilás. 
Com poucos anos de vida Branquinha caiu em febre, revestiu-se sobre ela um tecido de poá repleto de bolinhas, houve preocupação geral na família e ao ser examinada pelo médico, foi constatada doença contagiosa e viral: sarampo. A irmã mais velha, preocupada com o fato de não poder abraça-la disse entristecida para sua mãe: 
- Posso pegar todas essas pitinhas pra mim? Não quero que ela fique desse jeito. 
A mãe se emocionou com o gesto da primogênita. Em algumas semanas a menina estava curada, sumindo-lhe as pintas vermelhas.
Apesar de uma convivência implicante e ao mesmo tempo afetiva, sempre faziam traquinagens em parceria, uma era a cabeça da dupla, a outra o braço direito que executava:
- Que tal a gente comer o creme de chiclete da mamãe? Pegue as colheres, Branquinha! vamos lá!
Desse dia ela jamais se esquece, tomou broncas e muito leite para cortar o efeito do hidratante, que por sinal estava delicioso.
Há porém o dia em que Branquinha também nunca esquecerá, o dia em que a irmã mais velha cortou seu escorrido cabelo louro, era promessa do Divino, não cortar aquelas madeixas, mas quando se viu já era tarde, muito tarde para voltar atrás, a mãe pediu perdão para todos os santos e aplicou castigo na espoleta quebradora da promessa.
Hoje aos 25 anos Branquinha anunciou que irá se casar, a irmã mais velha  acostumada com sua presença, sentiu o coração apertado, como no dia em que a viu chorando depois de ter sido atropelada por uma bicicleta, como no dia em que arrancou o primeiro dente de leite, como em sua primeira decepção amorosa e no dia do próprio sarampo, motivo este que as separou por longos dias, só que agora era diferente, bateu saudade antes da ausência, bateu ciúmes de irmã mais velha, estava se cumprindo enfim seu papel de protetora.  Sentiu ligeiro medo de perde-la, de lhe roubarem o braço direito, a comparsa número 1 de malcriações, devoradora de potes de creme, mas ela estava feliz,  e como estava! Notava-se pelo sorriso de seus olhos engenhosos, pertencentes a uma típica capricorniana, que transparecia o que sentia apenas com o olhar. Seria egoísmo não aceitar vê-la feliz longe de casa, ao lado de seu esposo e seria individualismo também, assim como era no momento de dividir os brinquedos, ou de quem ficaria com o lilás. 
Ao receber a notícia do casamento, chorou por dentro, sorriu por fora, viu um filme rebobinando-lhe a memória, livrou-se do sentimento de posse e deixou valer o amor de irmã, esse que não se explica, vai para além dessa vida, elo fraterno que não se desfaz.

- Carine Morais

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Poema retrô

Hoje revirando algumas postagens antigas encontrei meu primeiro poema sobre o amor, "6 sentidos", criado em julho de 2012, resolvi posta-lo novamente como uma das inesquecíveis lembranças do ano que passou, espero que gostem.

Beijos meus!


6 sentidos

Eu não sei se o azul que vejo 
é da cor do azul que você vê;
Ou se o cheiro das flores pela manhã
lhe parece agradável ouriçando seu nariz;
Não faço ideia do que sente
ao pisar na pelúcia de um tapete macio,
ou se o gosto maciço de um pedaço de maçã
lhe amarga entre os dentes;
Não sei se para ti o amor é maior
ou menor que o meu.
E lhe daria um Quindim só para saber
quantas batidas seu coração dá
toda vez que ele me vê.
Tenho dúvida se o frio
que me bate na espinha
lhe arrepia da cabeça aos pés
e se a música que escuto no rádio
lhe atravessa os ouvidos
te fazendo transbordar.
Não há resposta para o que sinto
e o que sentes não pode ser medido,
Inclusive até sugiro
que na lista dos cinco sentidos
o amor também possa entrar, 
Porque nas formas de sentir,
ouvir, tocar e gostar ele por ser vivido,
mais que tudo ser sentido,
o amor não se pode explicar.  

[Carine Morais]

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

História de um fim

Era como ferida aberta. 
Tudo que caía dentro doía.
A lembrança cortava-lhe o âmago,
A culpa duramente batia,
A falta lhe apontava o dedo,
Para o sossego não havia remédio,
Senão o desespero.
Dor que partia.
De parto,
De perto,
De longe,
Não se sabia.
Era cedo demais para não viver
E tarde ainda para sentir-se vivo.

Carine Morais