Todos os dias faço o mesmo
trajeto, as mesmas ruas, o mesmo carro, o mesmo caminho, o mesmo
estacionamento, o mesmo flanelinha nos dizendo onde devemos parar. Então sigo em
direção a um pequeno quiosque de cafés e pães de queijo, faço o pedido, me acomodo e espero os minutos passarem depressa. Ali sentada todos os dias, vejo as
mesmas pessoas, os mesmo pedintes de poucas moedas para comprar um pão.
Vejo a Tv ligada no mesmo canal
e toda manhã, antes mesmo de chegar à esquina encontro um senhorzinho amistoso
me dizendo cheio de sorrisos um educado bom dia. Só que hoje não, hoje foi
diferente, hoje não foi um dia semelhante ao de ontem e nem possivelmente
parecido com o de amanhã, hoje aconteceu aquilo que só acontece quando estamos
bem atentos ou totalmente desarmados para esperar. Não reagimos
instantaneamente, porque a força do hábito não nos permite expressar, no
entanto nos deslumbramos paralisados pela emoção.
Hoje, minhas lentes fotográficas,
as do coração, fizeram um inesquecível disparo.
- Por gentileza, a senhora
poderia me dar 80 centavos para eu completar meu lanche? Disse um rapaz morador de rua.
- Não tenho. Disse.
- É porque estou mesmo com fome,
de verdade.
- Realmente não posso ajudá-lo.
Disse com pesar.
- Entendo... Me desculpe pedir
assim, estou sendo sincero, porque se eu mentir para você, e você me ver
mentindo, vai se decepcionar com o que eu disse.
Nesse instante flash’s internos
iluminaram seu rosto sem que percebesse, senti disparar em mim o sentimento
único de comiseração, a clemência de quem estava por dizer a verdade, a
compaixão por seu medo de desapontar enquanto eu o desapontava.
Ele não era o mesmo de todos os
dias, nunca o tinha visto por ali, e nem escutado aquilo que me dizia. Era uma
imagem refletida, mas não como a paisagem vista pela janela, trazia consigo
a moldura de uma dura realidade.
Quando virou-se para ir embora,
eu disse:
- Espere por favor!
- Não tenho moedas, mas posso
passar seu lanche no cartão.
Ele voltou sorrindo, agradecido,
esperançoso, faminto. Recebeu o lanche conforme seu pedido, um pão de queijo e
um pingado. Agradeceu enquanto comia.
- Obrigado por acreditar em mim.
Para cada dia uma lição, uma
vista bonita de algum lugar, um sorriso de uma criança, um pedido de perdão,
uma palavra que fica. Para cada dia uma reserva de possibilidades, um fato, uma
cena, uma música, o engarrafamento de carros que nos leva a pensar. Temos que
estar atentos aos acontecimentos da vida, a tudo aquilo que é novo, que não
costuma acontecer todos os dias.
As lentes dos nossos olhos estão
o tempo todo captando uma nova imagem, mas só ficará registrada quando vista
pelo coração.
- Carine Morais